MULHERES: POR QUE O ESTUDO NÃO ESTÁ VIRANDO OPORTUNIDADE?
Mesmo com melhores índices educacionais, mulheres ainda não ocupam oportunidades iguais aos homens. E a razão desse entrave é a desigualdade de gênero no Brasil
POR PRICILLA KESLEY, DO TODOS PELA EDUCAÇÃO
As mulheres brasileiras são mais escolarizadas que os homens. Elas têm maiores níveis de alfabetismo, evadem menos da escola e também têm uma melhor taxa de conclusão da trajetória escolar na idade certa. Apesar disso, a disparidade das oportunidades no mercado de trabalho entre os gêneros permanecem, como aponta recorte especial do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), apresentado no 2° Ciclo de Debates sobre Analfabetismo promovido pelo Todos Pela Educação e pela instituição Conhecimento Social em 2018.
De acordo com o levantamento, mesmo tendo uma maior parcela de analfabetos, os homens têm mais oportunidades no mercado de trabalho. Entre o grupo de homens que são analfabetos funcionais, 27% estão trabalhando; entre as mulheres analfabetas, essa taxa é de 22%. Esse mesmo grupo de mulheres também se sente mais desmotivado na hora de procurar emprego. Entre as analfabetas funcionais, apenas 25% está procurando emprego; para os homens, o índice é de 35%.
Convidada especial para debater a temática, Iracema Nascimento, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a Educação não tem dado conta de acabar com a desigualdade de gênero ainda presente na sociedade. “As mulheres têm taxas de escolaridade melhores, mas isso não reverbera no mercado de trabalho, onde há uma desigualdade vertical e horizontal: elas não têm acesso nem às mesmas profissões que os homens nem aos mesmos cargos”, critica a pesquisadora que também integra a Rede de Leitura e Escrita de Qualidade para Todos (LEQT).
E, na opinião da especialista, este é um problema que deveria ser enfrentado pelas escolas desde cedo por meio da promoção de exemplos inspiradores e valorização das figuras femininas relevantes nos diversos campos de conhecimento, inclusive no material didático. “O trabalho de mestrado da Giovana Romano Sanchez sobre os três livros da coleção ‘História, Sociedade e Cidadania’, distribuídos em 2015 no Ensino Médio Público, mostra que 789 (91,8%) dos 859 personagens mencionados nessas obras são homens e apenas 70 (8,2%) são mulheres. Isso tem um impacto muito grande”, pondera.
Mães e cuidadoras
A situação das meninas fora da escola revelam outra face da desigualdade de gênero e mostra que a solução da evasão desse grupo requer políticas públicas pensadas para elas, que são 447 mil. A gravidez e o cuidado com outras pessoas, como irmãos menores, são as principais causas para estarem fora das salas de aula, motivações que não aparecem para os meninos. “Esse quadro revela o quanto a desigualdade de gênero ainda persiste. Para incentivarmos essas meninas voltarem à escola, é importante investir em creches. Se a jovem mãe está fora da escola, seus filhos provavelmente também estão e, portanto, elas precisam de um serviço que apoie a ambos”, afirma Maria Laura Gomes Lopes, analista de dados do Todos Pela Educação.
+++DAS JOVENS QUE ESTÃO FORA DA ESCOLA, 43% ALEGAM CUIDAR DA CASA E DOS FILHOS
Mães e leitoras
O INAF mediu também a importância das mulheres na promoção da alfabetização. Em qualquer um dos níveis de alfabetismo dos entrevistados (analfabetismo funcional, alfabetismo elementar e alfabetismo consolidado), as mães foram apontadas como as principais influências na aproximação com os livros, o que demonstra a importância estratégica das mulheres na promoção da leitura, lado a lado com a responsabilidade da escola, prevista na Constituição Federal e Lei de de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Para Iracema, esse quadro na vida privada em relação à leitura é resultado dos papéis sociais historicamente determinados para homens e mulheres. “As mulheres assumiram, em proporções muito maiores que os homens, as tarefas de cuidado com as crianças e atividades domésticas na família. Para muitos, cuidar dos filhos inclui também cuidar da vida escolar, lições de casa e da leitura”, analisa.
Olhando por outro ângulo, o baixo envolvimento dos pais no apoio à Educação é uma lacuna a ser preenchida, uma vez que a participação deles poderia fazer avançar a alfabetização. “A prática sociocultural da leitura é muito atribuída ao universo doméstico e, portanto, a um universo feminino. Por isso, entre muitos homens, há um certo desprezo pela leitura, por ser visto como ‘uma coisa de mulher’”, pontua Iracema.
Ana Lima, coordenadora do INAF, destaca a importância do rompimento de tais barreiras. “É claro o papel da mulher na influência à leitura e não queremos que isso diminua. A questão é valorizar essa leitura também entre os homens, para que eles também sejam influenciadores”, conclui.
O que é o INAF?
Criado em 2003, o INAF mede o progresso dos níveis de alfabetismo da população brasileira entre 15 e 64 anos e os recortes específicos tem por objetivo mostrar os desafios de determinados segmentos sociais na consolidação das habilidades de letramento e numeramento. Conheça o indicador e os dados gerais aqui.
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